Pensamento

"Onde quer que o homem vá , verá somente a beleza que levar dentro do seu coração" . Ralph W Emerson

sábado, 6 de março de 2010

Um Conto Encantado


Coração Apaixonado Pela Vida

Na quietude da noite fria e cinzenta, ouvindo ao longe os latidos dos cachorros do sítio vizinho, junto ao crepitar da lenha na lareira da sala, o cheiro do chá de capim limão invade minhas narinas e me vem uma paz enorme que me toma o corpo e o peito. Estou só, em meio a montanhas e prados verdes, só a lua se mostra na noite escura rodeada de estrelas espalhadas pelo céu negro e  nublado, ela é minha companheira das horas de insônia, quando me arrasto até a minha poltrona favorita e fico admirando a noite através da porta envidraçada .
 A névoa chegou na serra e caminha oscilante por entre os pinheiros, o frio é suportável e o fogo interno cria uma atmosfera intimista e me sinto abrigada e protegida. Já se faz tarde, altas horas na madrugada e aqui estou eu a divagar entre a leitura do meu livro favorito do momento e minhas lembranças queridas.
 Um sorriso se põe em meus lábios e sorrio de satisfação , vivi muito, hoje sou uma "velha senhora" de 82 anos, a artrite já se faz presente em minhas articulações me deixando mais lenta para caminhar, mas talvez seja uma graça poder ir mais devagar pela vida. Tudo se tornou mais lento, preciso de mais tempo para focalizar em detalhes as imagens, mas quando minha retina capta os tons de uma flor em meio ao capim do pasto, me vejo observando-a com maior deleite, vejo sua graciosidade e elegância perdida entre os tufos do capim alto e tão serena ela , solitária como eu, se faz presente nesse universo.
 O caminhar hoje me dá mais dor ao querer ainda me manter com a coluna ereta, dito dos tempos de mocinha quando minha avó ralhava comigo sobre colocar as costas retas e a barriga pra dentro para manter a elegância, a bengala hoje me ampara e me faz charmosa de outra forma, e termino por valorizar mais cada passo que dou cuidadosamente, escolhendo as pedras por onde piso. Olho mais para o chão e percorro o caminho de forma mais verdadeira, sei das pedrinhas, raízes e declínios do caminho, minhas pegadas estão mais leves e faço paradas obrigatórias nos banquinhos do jardim.
 A respiração ficou mais dificultada, foram anos de nicotina a sacrificar meus pulmões, agora só inspiro perfumes naturais e de vez em quando um Chanel 5 em alguma festa importante. Foram muitos brindes em jantares comemorativos, muitos tin tins entre amigos e agora me inbrio com o cheiro da relva molhada pelo orvalho, pelo odor ocre do excrementos dos animais no pasto, pelo cálido perfume das rosas brancas que crescem embaixo da janela do meu quarto.
 O coração bate mais mansamente, o pulso está mais fino mas não alteraram as minhas emoções, ainda me sinto uma menina quando invento de fazer alguma travessura, ainda consigo arriscar uns passos de dança ao som de um bolero e ainda sou uma ardorosa romântica que passa horas e horas a rabiscar poemas contando o que sei e o que ainda não do amor. Foram alguns amores, uns perdidos pela impaciência, outros cultivados pela inteligência, mas só um guardado para sempre como diamante precioso.
 Ah como eu amei, amei aos poucos, fui amando por impulso, depois esperei pelo amor do outro, crente eu que era só o que bastava, só depois percebi que era um amar sem fim, pois o amor do outro me fez o amar mais profundamente e perdendo minha razão, fui me encontrando na emoção desse amor. Tentei explicar muitas vezes, nunca cheguei a grandes conclusões, sempre faltava algo a concretizar nesse amor e mesmo sem exigir eu o queria de forma mais completa e total. Fui amando o que tinha e descobrindo que podia ter mais quanto mais eu amasse e soubesse esperar.
 Passei amando e esperando e nunca insatisfeita fiquei porque tive mais do que pensei ter, porque jamais imaginei sentir o que senti e vivia a agradecer por poder ter alguém tão maravilhoso, aos meus olhos apaixonados, para amar. Foram tempos e tempos a sentir seu cheiro em  meus lençóis, horas e horas a trocarmos idéias como velhos amigos, quando vezes ficava a acariciar suas roupas com carinho quando ele longe de mim se encontrava, inúmeras expectativas de ouvir sua voz ao pegar o telefone, muitos momentos de nós dois.
 Atiço as brasas da lareira e reavivo as pequenas chamas e me vejo nelas, brasa adormecida de amor, amor que carrego em meu coração, amor que me fez dar mais valor à minha vida e a tudo o que fui, sou e serei nessa vida. Ainda não acabou e torço a cada dia por mais um pouco de tempo para poder usufruir da minha história, hoje como lembranças e saudades que acalanto sem dor.
 Sou feliz, apesar dos limites impostos, ganhei novas dimensões de ser idosa, cresci mais e amadureci inteira, plena de vida, o grande mistério que me trouxe até aqui e agora.
 Com carinho.
San
29 /11/ 2003


9 comentários:

  1. Lindo, delicado e comovente... características de seu estilo.Ótimo poder ler um bom texto.

    bjs

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  2. Um belo blog. A forma de escrever é envolvente.

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  3. bonito... meu coração sentou aqui do meu lado para ler esse conto. Estamos juntos lendo você

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  4. Claro que a realidade nem sempre é assim (já tentei criar um lugarzinho assim, mas a burocracia aparece na instalação de luz, na busca de água do subsolo, no vizinho bloqueando a passagem, etc), como diz meu pai, que vive num lugar assim: tudo vale a pena pelo sentido que a vida dá. Imagine que chata seria a vida sem esses pequenos desafios.
    Um encanto esse conto. Bem escrito, me fez viajar nos meus velhos sonhos. Teus contos merecem uma leitura com mais vagar. É assim que faço, leio lentamente. Muito bom mesmo.

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  5. Claro que pode colocar na comunidade.recebi por email e desconheço o autor.
    Eu também não concordei com o meu imagina uma geminiana cortando a linguá? nem pensar.Tenho horror a suicídio (sou espírita) e pavor de dor.
    Um beijo linda..a sim é Rô..tu colocou Re no blog.(rsrsr) Desculpe deve ser a quantidade de virgem no mapa!
    A credo ja escrevi demais. abraço.

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  6. Parabéns pelo dia internacional da mulher.

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  7. Amor, passando rapido aki, dpois volto com calma pra comentar, passando apenas pra te avisar q tem dois presentes te esperando aki:

    http://celamemorial.blogspot.com/2010/03/selos.html


    Te adoro!
    bjos

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  8. Adorei este conto...pela maneira como escreves,pela história emocionante e porque nos transmite uma ternura sem fim. Gostei muito, minha querida!
    Beijo amigo
    Graça

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