Pensamento

"Onde quer que o homem vá , verá somente a beleza que levar dentro do seu coração" . Ralph W Emerson

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vida e Morte Real e Transitória

O caminho é sereno, mesmo que a solidão seja sempre tida como um abandono, hoje sou dona de mim. A busca por mais um evento é mais um teste, mesmo tão medrosa sou instintivamente uma mulher que gosta de encarar novas fronteiras. Se de um lado procrastino a tomar uma atitude, ser mais adulta e encarar a realidade, em algum lugar da ponte entre um ponto e outro, eu simplesmente me desnudo instintivamento de qualquer medo e me disponho a conhecer e experimentar o novo, o que a vida me oferece. O medo me paraliza, me faz entrar na concha, mas quando olho para o horizonte de peito aberto, nóooooossaaa, é uma alegria interior poder ir em frente, não há nenhum resquício de medo, é quase como se eu fosse guiada por uma intuição de total certeza, onde o prazer maior é poder aceitar o que me vêm às mãos.
De repente minha luz é minha guia, o desconhecido é a próxima escala, e eu voo  baixo, querendo encostrar minhas mãos nas copas das árvores. Sou uma criança grande, peralta, altiva, como se ainda naquela fase que sente-se o próprio herói. Tudo é tão fácil mesmo sendo a primeira vez. De vez em quando olho para trás na minha memória, e nem acredito que venci mais um degrauzinho besta por onde estacionei durante anos, temendo subir nele e "olhar por cima do balcão" - criança menor que o balcão da farmácia. Muitas vezes eu era meu próprio monstro a me seduzir com histórias de terror.
Passo eu diante porta do Cemitério e a paisagem me atrai, pela primeira vez vejo beleza na morte. Cemitério sempre foi um lugar funesto, poucas vezes o visitava, somente por obrigação. ali à minha frente eu tinha obras arquitetônicas que me sabiam bem aos olhos admirá-las, era como uma granda casa antiga cheia de memórias, lembranças de seus ocupantes, seus senhores, e ali guardadas como referência atodo o de valor que cada um deixou em vida.  Por mais que a morte seja o limiar entre o que você é e o que você deixará para os seus herdeiros, ali jaz uma ruptura de valores de todos. Os do lado de lá tentando compreender o fim na dor e desespero de quem nunca levou muito a sério que passaria por isso. Do lado cá o moribundo se apalpando tentando entender o que faz lá em cima se vendo lá embaixo. somos poupados de lidar com a morte desde crianças, como se esta fosse algo incomum, um mau. Outro dia ouvi de um indivíduo neurótico reclamando na fila do Banco, que câncer era castigo e rogando praga aos funcionários do Banco. Não aguentei e disse-lhe  que ele que deveria deixar de ser correntista, reclamar na fila era em vão, a raiva saía em tiros , ago bem do tipo agressivo-ressentido, vontade mesmo foi de dizer que quem iria ter câncer era ele, mas estaria reafirmando seu comentário vil e cruel.
Na época em que me formava enfermeira na Escola de Enfermagem Anna Néry-UFRJ, o câncer ainda era verbalizado pela letra "CA", tal o medo que a doença atrelava à morte. Era tida como uma condenação, virou um mito, da mesma forma que vários mitos, o poder de destruição não dava chances de recuperação e cura, uma fatalidade. Mito mata também, a auto-sugestao mata e leva ao suicídio e auto-destruiçao, o poder da mente acredita no pior e cria oportunamente condiçoes para tal. Minha mãe morreu com câncer, sem chances pois a descoberta foi feita numa fase terminal. Uma dor imensa para eu administrar junto a uma posição profissional. Não dava para deixar de ser filha nem de ser enfermeira. A angústia era conviver com a espera pela Morte, graças a Deus minha mãe não teve espisódios de dor, o sofrimento era conviver com a ideia da morte, pois não existe como, em cima de uma cama, num não bem-estar físico se achar com saúde.
O tempo foi para mim um caminho difícil a percorrer, com certeza que fiz milagres em conseguir ter controle de tudo e ficar com minha mãe quase 24 horas por dia. Complicado era voltar para o Hospital e não saber se a encontraria viva, um alívio quando a via sentada na poltrona do quarto me esperando. Aqueles olhos verdes alerta como se esperasse o Papa! Era um transbordar de amor imenso que eu tive por ela naqueles dias, não sabia que a amava tanto, nem o quanto de compaixão meu coração tinha ali diante dele, minha mãe-paciente. Era algo especial, uma tristeza da qual eu não podia fugir, mas também uma grande satisfação de poder estar ali e ajudá-la, confortá-la, dar todo o meu carinho a quem eu devia minha vida. Se findava uma vida terrena, ali se fechava um ciclo da nossa simbiose mãe-filha-cúmplices e, por mais que difícil, era um momento muito importante pra mim ao receber de minha mãe seu legado e poder, herança  maior no valor da importância em saber desempenhar esse papel de herdeira. Essa herança era bem mais que colunas de mármore sustentando minha segurança no futuro, eram valores familiares, era o desejo de seguir no mesmo caminho e poder ser igual a ela e à minha avó. De certa forma, meu Sol idealista começava a enxergar a luz no fim do túnel no horizonte de meu ASC em Leão desde minha casa 8. Nada sabia eu que viveria essa morte por muitas vezes(crises para assimilar a perda) até poder literalmente encarar a minha morte de filha e crescer, poder me despir da herança e me fazer por mim mesma.
Em algum momento o transe do umbral passa para todos nós, a fantasia pode ser maior do que a realidade, criamos nossos próprios fantasmas, nossas muralhas crescem para ocultar nossos medos com o desconhecido. Não ousamos penetrar no proibido, no oculto, rondamos curiosos ou fugimos amedrontados, jamais acreditamos que a morte, o câncer, a aids, a homossexualidade baterá à nossa porta. É quase um descaso com as mudanças necessárias,com a Roda da Fortuna traçando nossos destinos, as quais precisamos encarar. Negamos demais, somos o próprio rito de passagem a cada dia em que despertamos vivos, a cada etapa vencidade, cada degrau que consumimos a superficie por anos e anos de subidas e descidas. Nos apegamos ao nosso entorno, natural criarmos nosso universo e acreditarmos nele como real, fixamos parâmetros, vivemos catalogando e tentando prever acontecimentos. Nunca preparados para o que a vida nos reserva, o que a natureza nos mostra como resultado de anos a fio de comodismos, alienaçao e inconsciência sobre nossa responsabilidade diante da vida, diante do nosso próximo. Ir para a luz não é só tarefa das experiências de quase-morte, é essa coragem de encarar a realidade dura e crua, de dizer adeus ao que se vai, e olhar para a frente porque você está vivo, porque ainda sua linha do tempo não acabou, e enquanto houver luz, há esperança, há um desejo de se misturar  no mundo, ser parte desse universo multidimenssional que nos faz poder viajar dentro e fora de nós, compreendendo assim a transitoriedade da vida, a multiplicidade do homem, a plasticidade da vida corpórea, da morte e fim de ciclo, da cura e regeneração, da auto-transformação pelo que passa o ser humano diante da experiência de estar vivo.