Mãe a gente tem para sempre, ela ao te dar a vida, a ser tua fonte de vida, ele cria um laço eterno contigo, indissolúvel. Pode ser que a vida te carregue dele, ou faça ela te abandonar, pode ser que nunca mais se reencontrem, seja pela morte, pela fatalidade ou por circunstâncias tais, que não podes afirmar com sinceridade e verdade, os motivos e muito menos o que levou uma mãe a tal ato.
Mas você saiu de dentro dela, e ali dentro daquele berço começa a existir uma longa história. Muitas e muitas mães deixam de ser mães, interrompem uma gravidez, não dão uma nova oportunidade a você para crescer e se desenvolver. Outras no entanto têm seu destino cruzado por um homem, desconhecido até, um sequestrador, um estuprador, um pai abusador, um pedófilo, uma alma perturbada que poderá germinar um útero e te trazer à vida. se saber o nome de quem colaborou com tua fertilização, mas ali existirá para sempre os genes daquele que patrocinou sua experiência de vida. Vez por outra vais perguntar de onde vieste, qual tua origem. Muitas histórias tristes, muito desamor, maldade, injustiça, a maior de todas talvez seja a ignorância, o não valor de uma vida da qual cada um daqueles que se unem num simples ato sexual, seriam responsáveis por cuidar, proteger e encaminhar essa alminha para seguir adiante na vida.
Mas somos muito egoístas, seja por termos recebido amor mas não termos apreendido o que é o amor, seja por nossas limitações pessoais, sempre tão offline das conexões mais importantes, para os deveres com nosso próximo. Para uns parece que ao se nascer sozinho, empurrado pelas contrações uterinas, a gente sai pela vida quase em estado de autismo, criamos um mundo só nosso e vamos batendo cabeça , aprendendo na porrada. Talvez seja em parte verdade, muitos de nós precisaremos em algum momento da vida soltar as amarras, desfazer os laços, sermos livres, autônomos para escolher nosso próprio caminho. Mas talvez ainda existam algumas outras chances pela vida.
Na minha crença em Deus, numa inteligência maior, no poder do "divino", somos uma luz que nasce e tem no universo seu destino a ser cumprido, e junto, um bando de encruzilhadas a serem vencidas e também um monte de encontros e reencontros com pessoas que cruzam nossos caminhos, e nos amamentam, nos cuidam com zelo, protegem, nos criam, nos fazem sentir "filhos de verdade". Podemos ser escolhidos como filhos, algumas vezes o acaso nos colocar aos pés de mãos caridosas que nos recolhem, nos alimentam. Vamos ter mães-amigas, aqueles que socialmente nos chegam e podemos nos desabafar, muitas vezes com maior afinidade do que com nossa própria mãe de sangue. algumas mãos serão as que nos ajudarão a levantar, seja numa psicoterapia, num consultório médico, numa formação profissional. Quantas vezes um professor faz o papel de mãe, se preocupa, percebe o sofrimento de uma criança, a violência doméstica, o abandono. Muitas vezes eles poderão ser alguém a admirar e a seguir como exemplo.
O ciclo da vida mesmo que longo, um dia nos leva a mãe, leva parte de um todo e fica um buraco, um vazio muito mais pela ausência do calor do peito, das mãos a nos acariciar com bolinhos de chuva no lanche, uma sopinha reforçada quando ficamos adoentados. É esse calor humano, esse carinho que vai embora do nosso cotidiano. A gente vê se definhando a vida de alguém que amamos profundamente, apesar de todas as divergências pela vida afora, ali houve algo muito importante, aquela mulher em algum décimo de segundo optou por nos dar a chance de viver e isso não tem preço. E quando ela se despede, some da nossa vista, a gente se agarra ao cheiro nas roupas, aos pequenos objetos dela que guardamos como uma relíquia, mas o tempo vai limpando essas materializações e quase tudo se torna "inanimado" sem vida, sem cheiro, sem cor.
Sobram então o de mais rico, de mais profundo, o amor, seja por aquela mulher que nos acalentou dentro do ventre, seja por aqueles que nos acolheram em seus lares, nos deram uma família, seja por aquelas pessoas que na ausência e carência de amor e segurança, nos puderam ensinar a sobreviver nessa vida e podermos ser felizes, mesmo diante de qualquer dificuldade que possamos ter vivido. As saudades são como um álbum de fotografias que vai se abrindo em muitas ocasiões especiais que partilhamos com as nossas mães. Logo aparece um sorriso em nossa face, algumas lágrimas rolam de alegria pelas recordações. Tudo muito intenso, muito sentido, uma mistura de tristeza e alegria juntas.
Hoje é um dia de saudades para mim, lembrar de minha mãe me emociona, foi alguém que ficou marcante na vida de muita gente que a conheceu. Fiquei aqui agora pensando da primeira lembrança que tenho hoje da minha infância e me lembrei de minha primeira viagem a São Lourenço, só nós duas, e ela me fez andar na charretinha com um bode empurrando pela pracinha na frente do Parque das Águas. quantas e quantas vezes voltamos lá por quase toda a minha vida, São Lourenço me viu crescer, foi lá também a segunda Lua de Mel de minha mãe quando casou com meu padrasto. Foram alguns festejos de seu aniversário nos Réveions. Me recordo dela aprendendo a dirigir, saindo toda arrumada, era muito mais vaidosa que eu, indo visitar as amigas.
Se de um lado eu me tornei sua filha protetora devido à sua fragilidade emocional, ela era uma coluna de mármore à qual eu me agarrava, tal qual uma âncora. Sabia que ela não falharia comigo, mesmo que por vezes não tenha sabido me poupar emocionalmente, ela viveu por muitos anos tendo a mim como a razão dela se manter viva. Ah... ela era apaixonada como sou, de uma alegria borbulhante para espantar a tristeza que habitara parte da infância dela. Ela soube dar várias voltas por cima, vencer limites enormes, viveu sempre querendo aprender mais. Nós duas disputávamos as palavras cruzadas, escrevíamos bilhetes apaixonados nos aniversários, uns ainda guardo até hoje. ela como seu pai, meu avô paterno, escrevia trovas, adorava contar piadas, gargalhava sozinha na cama ouvindo o "Show do Antonio Carlos" às 05:00 horas e o rádio acompanhava ela por todos os cômodos da casa.
Houveram momentos de tristeza dela e meus, nossos desentendimentos, os castigos que recebi, embora conviver com minha mãe tenha sido um caminho de altos e baixos, eu quis muito ser como ela. Aquela fortaleza forjada pelo amor, aquela mulher que se sacrificou por mim, que sofreu em silêncio para não me assustar, me poupar. Como não ter saudades de tudo o que admirei nela, de tudo o que me ensinou, do orgulho que tenho de ser parecida com ela em algumas coisas de temperamento, alguns traços físicos. Foi um prazer tê-la em minha vida por 32 anos, ela me deixou pronta para a vida, me ensinou a me virar. Um dia tempos depois, descobri que precisava não ser mais a filha da D. Neuza e sim apenas eu mesma a Sandra Helena Gonçalves.